quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Gel é capaz de prevenir transmissão de HIV

por João Gabriel Ferreira e Yago Silva.


A cianovirina-N (CV-N) é uma proteína sintetizada pela cianobactéria Nostoc ellipsosporumcom atividade inibitória já demonstrada para diversos vírus, como o vírus da imunodeficiência humana (HIV): a cianovirina-N se liga a uma glicoproteína do vírus importante para a interação com a célula do hospedeiro, impedindo o contato vírus- célula e, por consequência, a infecção. Produtos que contenham em sua formulação a CV-N, então, possuem potencial protetor contra a síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS), e nessa linha foi desenvolvido um gel com a proteína. O gel, composto de hidroxietilcelulose- um éter biodegradável e fisiologicamente inerte- e com uma concentração 2% de cianovirina-N, já foi testado em experimentos com macacos e mostrou ser capaz de proteger os modelos símios contra infecção por HIV em aplicações anais e vaginais. O produto surge, então, como uma opção alternativa ou complementar para utilização em relações sexuais com indivíduos soropositivos, de modo a evitar a transmissão do vírus. Sua relevância fica clara quando olhamos para o cenário mundial de AIDS: 34 milhões de pessoas estão infectadas e, a cada ano, ocorrem 2,5 milhões de novas infecções (OMS, 2011) ². O gel de cianovirina-N, portanto, pode ser uma nova ferramenta importante para o controle de um dos maiores problemas de saúde pública do planeta.


Patentes biológicas no Brasil: mudança à vista?

por João Gabriel Ferreira e Yago Silva.


A história da atual regulamentação de patentes no Brasil remete ao ano de 1996, quando a lei número 9.279, que estabelece os direitos e os deveres relativos à propriedade industrial, é sancionada pelo até então presidente Fernando Henrique Cardoso. No artigo 10 é abordada a questão das patentes de materiais biológicos, ao não considerar invenção nem modelo de utilidade o todo ou parte de seres vivos naturais e materiais biológicos encontrados na natureza, ou ainda que dela isolados, inclusive o genoma ou germoplasma de qualquer ser vivo natural e os processos biológicos naturais. A legislação permite a patente de organismos geneticamente modificados. Desde 2005, contudo, tramita no congresso o projeto de lei número 4.961, de autoria do deputado Antônio Carlos Mendes Thame, que propõe uma alteração na Lei de Patentes de forma a permitir o patenteamento de substâncias ou materiais extraídos, obtidos ou isolados de seres vivos. O projeto foi aprovado pela Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS), e está para ser votado pela Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informação (CCTCI), tendo recebido parecer desfavorável do relator, deputado Newton Lima. 

A proposta de expansão dos direitos de patenteamento de partes de seres vivos levanta um debate que envolve questões éticas, científicas e mercadológicas. O principal argumento utilizado pela parte interessada em aprovar o projeto de lei é que a atual regulamentação inibe investimentos públicos e privados nas pesquisas que possibilitam maior conhecimento e aproveitamento da flora e fauna brasileiras, que possuem grande potencial a ser explorado, tendo em vista a enorme biodiversidade do país. Europa, Estados Unidos e Ásia, por permitirem a patente de partes de seres vivos, teriam saído na frente na exploração da biodiversidade. Argumenta- se também que “embora as moléculas estejam presentes nos organismos vivos, não são evidentes ao observador, precisam ser extraídas, purificadas, e associadas a alguma utilidade” (Parecer do relator). Ocorre que, apesar do esforço requerido para identificação e purificação de moléculas, o fato de que a natureza é sua inventora e o homem, mero descobridor, não é alterado. Dessa forma, o projeto de lei abriria uma exceção ilógica, negando a necessidade de um material ser fruto de uma invenção para ser patenteado. Uma molécula não deixa de existir porque ainda não foi identificada. Ao contrário, muitas vezes ela já era utilizada como produto funcional por populações tradicionais que não conheciam o significado da palavra genômica. Que direito teria uma empresa ou pesquisador (que utilizou equipamentos e procedimentos que nem inventos seus são) de cobrar pela utilização de um produto fruto não de sua capacidade inventiva, da seleção natural? Outros países terem aberto brechas em suas leis para esse tipo de patente é argumento a favor para adoção do mesmo posicionamento no Brasil? Ou uma vez considerando um equívoco ideológico (o que foi admitido pela própria CMADS) deveria- se agir no sentido de pressionar a comunidade internacional a tomar medidas mais rigorosas na concessão de patentes? Pressionar os países permissivos eliminaria o argumento mais utilizado pelos defensores das patentes de partes de seres vivos, que dizem que o Brasil está em dessincronia com a comunidade internacional, o que provoca uma defasagem em relação à exploração de biodiversidade. A maior motivação para a pesquisa da biodiversidade, então, não seria garantir o (eticamente questionável) monopólio sobre a exploração de produtos naturais, mas a crença de que conhecer melhor a nossa diversidade biológica pode nos ajudar a desenvolver produtos realmente mais eficientes, esses sim frutos de atividade inventiva.

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Protocolando: A Arte de Desenhar Primers



Todas as artes, da música à dança, da pintura ao teatro, têm sua técnica. Também é verdade que para se ter criatividade é necessário dominar a técnica. Na Biologia Molecular, a etapa em que o pesquisador define em qual região do gene irá posicionar os iniciadores da Reação em Cadeia da Polimerase (PCR) é também considerada uma arte. Tanto que ela é conhecida entre os profissionais do meio como “primer design”. Assim como nas demais artes, para se desenhar bons iniciadores da PCR é preciso conhecer a técnica, regida por fundamentos da física e da química. A seguir discutirei os principais parâmetros que devem ser respeitados quando se deseja obter uma amplificação com boa eficiência, sem interferência de produtos inespecíficos. Como minha intenção foi compilar num único local as informações para os iniciantes nesta modalidade, não me forcei a ser sucinta. Caso você procure um assunto em particular, utilize o destaque de cada parágrafo para guiá-lo.


O princípio é bem simples: se você conhece a sequência de nucleotídeos que quer amplificar, comece por escolher a distância entre os iniciadores (e por conseguinte o tamanho do amplicon), definindo assim a região aproximada onde posicioná-los. Caso você ainda não tenha a sequência, é preciso alinhar homólogos já descritos (geralmente de seres filogeneticamente próximos ao seu) e identificar as regiões conservadas para que os primers se anelem nelas, aumentando assim a probabilidade de sucesso da amplificação. Se sua proteína de interesse apresenta um domínio conservado, esta é uma boa região para mirar! A partir daí, você precisa avaliar as possibilidades e escolher o melhor par, seguindo alguns critérios. Existem softwares, como o Primer3, que auxiliam na busca, mas não substituem o olhar crítico do pesquisador na hora da escolha final.





O primeiro é o tamanho do primer. Quanto maior for a sequência, mais específica será sua ligação com a região-alvo. Cada nucleotídeo a mais significa uma redução de um quarto (1/4) na possibilidade de existir, ao acaso, uma outra região exatamente com a mesma combinação de nucleotídeos. Entretanto, se o oligonucleotídeo for muito longo, aumentam as chances de ele formar estruturas secundárias (que serão discutidas mais adiante). Sendo assim, para um primer de 20 nucleotídeos a probabilidade de anelamento ao acaso é de 9,095 x 10-13, ou seja, baixa o suficiente para confiarmos que o anelamento acontecerá na região em que desejamos. Em geral, a recomendação é que o comprimento do primer esteja entre 18-22 pb.

Um outro fator influenciado pelo tamanho do iniciador e seu conteúdo de bases G e C (%GC) é o Tm, que é, por definição, a temperatura na qual metade do DNA estará dissociado em fita simples e indica a estabilidade da dupla-fita. As interações intermoleculares entre C e G formam 3 pontes de hidrogênio, enquanto entre A e T formam apenas duas. Este é o fundamento para que as duplas-fitas com mais de 60%GC sejam muito estáveis e precisem de temperaturas mais altas para se dissociar. Assim, são desejáveis 40-60%GC. O Tm recomendado varia em função da aplicação do primer, por exemplo: entre 52-58°C para PCR convencional e 58-60°C para PCR em Tempo Real.

Determinados nucleotídeos em posições específicas do primer também favorecem a estabilidade de anelamentos inespecíficos. Este é o caso de quando há três ou mais bases C ou G dentre as cinco últimas da extremidade 3’ (como 5’------CAGCG-3’). Como a polimerase processa no sentido 5’ para 3’ da nova cadeia, o anelamento desta região do primer é suficiente para iniciar a amplificação, mesmo que sua extremidade 5’ não pareie. Também devem ser evitadas regiões-alvo com repetições de mais de quatro nucleotídeos iguais (como 5’---TTTTT---3’) ou de dinucleotídeos (como 5’-AGCAGTAAGGAGC-3’).


Se suas sequências foram aprovadas nos testes acima, é hora de prever se elas formarão estruturas secundárias. Quando se formam, elas implicam redução da eficiência da PCR. Para esta etapa costumo usar o IDT OligoAnalyzer, que calcula qual a energia livre (∆G) da conformação. Quanto mais negativa, mais estável e maior a temperatura necessária para desfazê-la. Quando o primer assume uma estrutura “dobrada” (como na imagem abaixo), a qual chama-se grampo, ele não funciona. ∆G de -3 e -2 Kcal/mol são os valores mínimos tolerados para grampos internos e na extremidade 3’, respectivamente.




Os dímeros, formados quando uma molécula de primer anela com outra (como na figura a seguir), são capazes de, ao mesmo tempo, indisponibilizá-los para exercer sua função na reação e funcionar como templates que passarão a ser amplificados, competindo pelos reagentes com o template de seu interesse. Os homodímeros são formados entre duas moléculas de do mesmo primer (duas do senso ou duas do antisenso). Já os heterodímeros são originados a partir de interações intermoleculares entre um senso e um antisenso. Para ambos os casos, os valores tolerados são no mínimo -6 e -5 kcal/mol, respectivamente, para interações no interior das moléculas e na extremidade 3’.




Caso você trabalhe com um organismo-modelo tradicional ou que já tenha muitos genes (ou o genoma) sequenciados, pode utilizar a ferramenta Primer Blast, que alinhará seu primer com o banco de dados de sua escolha. Assim, você poderá verificar a especificidade do seu primer.


Se, mesmo depois de ter todos estes cuidados no desenho, seus iniciadores não funcionarem bem, a PCR pode ser otimizada com outros recursos que serão abordados num futuro post.

quinta-feira, 15 de março de 2012

Os Sabotadores de Patentes

Conheça alguns cuidados para que suas invenções se tornem patentes

Até dois anos atrás, enquanto cursava o mestrado em Microbiologia Veterinária, pouco havia ouvido sobre patentes. Ao mudar de instituição para o Doutorado em Biofísica, cada vez mais o tema aparece em conversas com amigos na hora do almoço. Por mais que as discussões mais acaloradas sejam sobre a participação de professores e alunos na autoria de inventos, há outras informações que merecem ser compartilhadas.

Entre 1992 e 2008 a participação brasileira em artigos científicos no cenário mundial cresceu de 0,8 para 2,7%. Apesar disso, dos mais de 50.000 artigos publicados em periódicos internacionais em 2009, apenas 103 patentes de utilidade brasileiras foram registradas no escritório americano. Motivado por este abismo entre o número de publicações e de patentes no Brasil, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) realizou a primeira edição do Curso Básico de Propriedade Industrial na UFRJ. Durante o curso, foram apresentadas algumas cautelas simples mas que, se tomadas, ajudariam a nossa produção científica a se refletir em invenções patenteáveis.

Redação de patente – que a redação de uma patente não e tarefa fácil todos concordamos. Tanto que o INPI oferece um curso avançado exclusivo para a prática. Mas por que um cientista, muitas vezes, tem mais dificuldade para escrevê-la do que outros profissionais com nível de escolaridade menor? No dia-a-dia da Ciência estamos habituados à economia, desde reagente até palavras. A redação de projetos e artigos é sempre guiada pelo limite de palavras em cada campo. Já no mundo das patentes... A insuficiência descritiva tem sido o principal motivo de exigências nos pareceres do INPI. A recomendação dos técnicos é: não economize palavras ao apresentar os motivos que fazem da sua matéria um ato inventivo. Se não tem ideia de como começar, leia as já existentes. O acesso ao banco de patentes do INPI é gratuito e totalmente aberto à consulta!

Perda da novidade  assim como eu há dois anos atrás, a falta de intimidade de graduandos e pós-graduandos com o assunto pode levar a perda do direito de se patentear um invento. Ou, pelo menos, a se crer que perdeu este direito.  Explico: o excesso de detalhes fornecidos em pôsteres ou apresentações orais de eventos e artigos científicos costuma ferir o requisito da novidade. No caso de defesa de monografias, dissertações e teses, a novidade é garantida por sessões fechadas. Contudo, caso você, inventor, tenha realizado a divulgação de seus dados por qualquer meio, o Art. 12 da Lei de Propriedade Industrial lhe reserva 12 meses para dar entrada no pedido de sua patente. Mas reze para que ninguém tenha dado entrada antes, com os dados que você mesmo forneceu!

Acesso a patrimônio genético – toda invenção que utilize em seu processo informação biológica deve apresentar a Autorização de Acesso no pedido de patente. A regra vale para todo ou parte de vegetal, fungo, microrganismo e animal, vivos ou mortos, coletados no território nacional, na plataforma continental ou na zona econômica exclusiva. A autorização pode ser solicitada pelo pesquisador ao Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN), através deste link onde estão disponíveis as regras e formulários eletrônicos para o processo.

É ainda oportuno dizer que 62,7% dos pesquisadores brasileiros se encontram dentro de universidades ou centros de pesquisa e não em empresas. Estes profissionais ocupam cargos de horário integral, com atribuições que incluem lecionar, administrar laboratórios e recursos humanos, escrever projetos e artigos, além da pesquisa per se. Logo, não é de se estranhar que não queiram se envolver nos trâmites burocráticos de um pedido de patente. Diante deste cenário, a saída tem sido motivar os alunos a se envolverem no processo. Do meu ponto de vista creio que a verdadeira motivação só virá quando as instituições definirem antecipadamente qual a real participação de cada parte em eventuais lucros gerados. Dai só participa da brincadeira quem quer. Mas este assunto dá pano pra manga e merece um outro post. Qualquer hora continuamos nossa conversa!


Primeiro Curso Básico de Propriedade Industrial
De 7 a 11 de novembro de 2011, foram amplamente discutidos no temas como marcas, patentes, desenho industrial, proteção de softwares, indicação geográfica e informação tecnológica. O curso foi organizado pela Agência de UFRJ Inovação e aconteceu nos auditórios do Centro de Ciências da Saúde/UFRJ. Os interessados em futuras edições podem entrar em contato com a Agência, demonstrando a demanda.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Tudo começa pela criatividade!

Cada vez mais a Ciência procura por inovação. Os principais editais das agências de fomento buscam ideias criativas e, por este motivo, professores e pesquisadores repassam a exigência para seus grupos de trabalho. Justo! Afinal, não dá para o setor de criação ficar centralizado numa única pessoa do grupo. Mas a discussão sobre divisão de tarefas num laboratório ficará para próximos posts! Neste, quero começar a apresentar características que considero fundamentais em um bom aluno de iniciação científica (que neste blog serão chamados de ICs).

Tudo começa pela criatividade! Se você quer ter sucesso no seu estágio, procure ter ideias e não apenas executar o que te pedem. Algumas pessoas argumentariam que criatividade é um dom com o qual já se nasce. Não concordo. Acredito que criatividade se treina e, pelo visto, eu não sou a única a acreditar nisso: a designer Jamie Wieck compilou aqui os 50 mandamentos que estudantes de design gráfico criativos devem conhecer. Como muitas destas dicas se aplicam ao mundo científico, apresentarei algumas ao longo de posts sobre comportamento de ICs em laboratórios de pesquisa de Biologia.


Apesar de não ser a primeira dica apontada por Jamie, uma atitude que considero imprescindível para começar bem qualquer processo é: "you cannot score without a goal", que em tradução livre significa que você não pode marcar sem ter um objetivo. Saber o que se pretende alcançar é o primeiro passo. Afinal, se você não sabe aonde quer chegar, como saber por onde começar e mais: como avaliará se está tendo ou não sucesso. Quando familiares e colegas me pedem conselho sobre carreira profissional, a primeira coisa que eu sempre pergunto é: "o que você quer de verdade?” A partir desta resposta única é que você deve desenvolver o máximo de competências para alcançar seu objetivo. No caso dos ICs, quanto mais habilidades tiverem melhor. Trabalhar bem com idiomas (principalmente o inglês), escrita e informática é fundamental, mas saber jogar nas 11 acrescenta muitos pontos ao ser currículo interno. Ou seja, esteja aberto a aprender de tudo e jamais pense que determinada função em prol da Ciência não é para você. Os grandes cientistas de hoje já fizeram de tudo um dia!