quinta-feira, 12 de abril de 2012

Protocolando: A Arte de Desenhar Primers



Todas as artes, da música à dança, da pintura ao teatro, têm sua técnica. Também é verdade que para se ter criatividade é necessário dominar a técnica. Na Biologia Molecular, a etapa em que o pesquisador define em qual região do gene irá posicionar os iniciadores da Reação em Cadeia da Polimerase (PCR) é também considerada uma arte. Tanto que ela é conhecida entre os profissionais do meio como “primer design”. Assim como nas demais artes, para se desenhar bons iniciadores da PCR é preciso conhecer a técnica, regida por fundamentos da física e da química. A seguir discutirei os principais parâmetros que devem ser respeitados quando se deseja obter uma amplificação com boa eficiência, sem interferência de produtos inespecíficos. Como minha intenção foi compilar num único local as informações para os iniciantes nesta modalidade, não me forcei a ser sucinta. Caso você procure um assunto em particular, utilize o destaque de cada parágrafo para guiá-lo.


O princípio é bem simples: se você conhece a sequência de nucleotídeos que quer amplificar, comece por escolher a distância entre os iniciadores (e por conseguinte o tamanho do amplicon), definindo assim a região aproximada onde posicioná-los. Caso você ainda não tenha a sequência, é preciso alinhar homólogos já descritos (geralmente de seres filogeneticamente próximos ao seu) e identificar as regiões conservadas para que os primers se anelem nelas, aumentando assim a probabilidade de sucesso da amplificação. Se sua proteína de interesse apresenta um domínio conservado, esta é uma boa região para mirar! A partir daí, você precisa avaliar as possibilidades e escolher o melhor par, seguindo alguns critérios. Existem softwares, como o Primer3, que auxiliam na busca, mas não substituem o olhar crítico do pesquisador na hora da escolha final.





O primeiro é o tamanho do primer. Quanto maior for a sequência, mais específica será sua ligação com a região-alvo. Cada nucleotídeo a mais significa uma redução de um quarto (1/4) na possibilidade de existir, ao acaso, uma outra região exatamente com a mesma combinação de nucleotídeos. Entretanto, se o oligonucleotídeo for muito longo, aumentam as chances de ele formar estruturas secundárias (que serão discutidas mais adiante). Sendo assim, para um primer de 20 nucleotídeos a probabilidade de anelamento ao acaso é de 9,095 x 10-13, ou seja, baixa o suficiente para confiarmos que o anelamento acontecerá na região em que desejamos. Em geral, a recomendação é que o comprimento do primer esteja entre 18-22 pb.

Um outro fator influenciado pelo tamanho do iniciador e seu conteúdo de bases G e C (%GC) é o Tm, que é, por definição, a temperatura na qual metade do DNA estará dissociado em fita simples e indica a estabilidade da dupla-fita. As interações intermoleculares entre C e G formam 3 pontes de hidrogênio, enquanto entre A e T formam apenas duas. Este é o fundamento para que as duplas-fitas com mais de 60%GC sejam muito estáveis e precisem de temperaturas mais altas para se dissociar. Assim, são desejáveis 40-60%GC. O Tm recomendado varia em função da aplicação do primer, por exemplo: entre 52-58°C para PCR convencional e 58-60°C para PCR em Tempo Real.

Determinados nucleotídeos em posições específicas do primer também favorecem a estabilidade de anelamentos inespecíficos. Este é o caso de quando há três ou mais bases C ou G dentre as cinco últimas da extremidade 3’ (como 5’------CAGCG-3’). Como a polimerase processa no sentido 5’ para 3’ da nova cadeia, o anelamento desta região do primer é suficiente para iniciar a amplificação, mesmo que sua extremidade 5’ não pareie. Também devem ser evitadas regiões-alvo com repetições de mais de quatro nucleotídeos iguais (como 5’---TTTTT---3’) ou de dinucleotídeos (como 5’-AGCAGTAAGGAGC-3’).


Se suas sequências foram aprovadas nos testes acima, é hora de prever se elas formarão estruturas secundárias. Quando se formam, elas implicam redução da eficiência da PCR. Para esta etapa costumo usar o IDT OligoAnalyzer, que calcula qual a energia livre (∆G) da conformação. Quanto mais negativa, mais estável e maior a temperatura necessária para desfazê-la. Quando o primer assume uma estrutura “dobrada” (como na imagem abaixo), a qual chama-se grampo, ele não funciona. ∆G de -3 e -2 Kcal/mol são os valores mínimos tolerados para grampos internos e na extremidade 3’, respectivamente.




Os dímeros, formados quando uma molécula de primer anela com outra (como na figura a seguir), são capazes de, ao mesmo tempo, indisponibilizá-los para exercer sua função na reação e funcionar como templates que passarão a ser amplificados, competindo pelos reagentes com o template de seu interesse. Os homodímeros são formados entre duas moléculas de do mesmo primer (duas do senso ou duas do antisenso). Já os heterodímeros são originados a partir de interações intermoleculares entre um senso e um antisenso. Para ambos os casos, os valores tolerados são no mínimo -6 e -5 kcal/mol, respectivamente, para interações no interior das moléculas e na extremidade 3’.




Caso você trabalhe com um organismo-modelo tradicional ou que já tenha muitos genes (ou o genoma) sequenciados, pode utilizar a ferramenta Primer Blast, que alinhará seu primer com o banco de dados de sua escolha. Assim, você poderá verificar a especificidade do seu primer.


Se, mesmo depois de ter todos estes cuidados no desenho, seus iniciadores não funcionarem bem, a PCR pode ser otimizada com outros recursos que serão abordados num futuro post.

5 comentários:

  1. Desenho primers já faz algum tempo e seu post ficou bem didático e detalhado. Parabéns!

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    1. Obrigada pelo comentário, Science! Siga e Jaleco Novo e acompanhe novos posts sobre Biologia Molecular. Sinta-se convidado a usar este espaço para trocar figurinhas!

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  2. Milena, seu post me acrescentou muito. Saí esclarecida de algumas dúvidas que tinha. Obrigada por sua contribuição

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Você poderia dar mais detalhes sobre o tamanho ideal para primers, sobretudo os ultilizados para PCR em tempo real? Li que os primers com amplicom em torno de 100pb é o ideal, isso é verdade?

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