quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Patentes biológicas no Brasil: mudança à vista?

por João Gabriel Ferreira e Yago Silva.


A história da atual regulamentação de patentes no Brasil remete ao ano de 1996, quando a lei número 9.279, que estabelece os direitos e os deveres relativos à propriedade industrial, é sancionada pelo até então presidente Fernando Henrique Cardoso. No artigo 10 é abordada a questão das patentes de materiais biológicos, ao não considerar invenção nem modelo de utilidade o todo ou parte de seres vivos naturais e materiais biológicos encontrados na natureza, ou ainda que dela isolados, inclusive o genoma ou germoplasma de qualquer ser vivo natural e os processos biológicos naturais. A legislação permite a patente de organismos geneticamente modificados. Desde 2005, contudo, tramita no congresso o projeto de lei número 4.961, de autoria do deputado Antônio Carlos Mendes Thame, que propõe uma alteração na Lei de Patentes de forma a permitir o patenteamento de substâncias ou materiais extraídos, obtidos ou isolados de seres vivos. O projeto foi aprovado pela Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS), e está para ser votado pela Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informação (CCTCI), tendo recebido parecer desfavorável do relator, deputado Newton Lima. 

A proposta de expansão dos direitos de patenteamento de partes de seres vivos levanta um debate que envolve questões éticas, científicas e mercadológicas. O principal argumento utilizado pela parte interessada em aprovar o projeto de lei é que a atual regulamentação inibe investimentos públicos e privados nas pesquisas que possibilitam maior conhecimento e aproveitamento da flora e fauna brasileiras, que possuem grande potencial a ser explorado, tendo em vista a enorme biodiversidade do país. Europa, Estados Unidos e Ásia, por permitirem a patente de partes de seres vivos, teriam saído na frente na exploração da biodiversidade. Argumenta- se também que “embora as moléculas estejam presentes nos organismos vivos, não são evidentes ao observador, precisam ser extraídas, purificadas, e associadas a alguma utilidade” (Parecer do relator). Ocorre que, apesar do esforço requerido para identificação e purificação de moléculas, o fato de que a natureza é sua inventora e o homem, mero descobridor, não é alterado. Dessa forma, o projeto de lei abriria uma exceção ilógica, negando a necessidade de um material ser fruto de uma invenção para ser patenteado. Uma molécula não deixa de existir porque ainda não foi identificada. Ao contrário, muitas vezes ela já era utilizada como produto funcional por populações tradicionais que não conheciam o significado da palavra genômica. Que direito teria uma empresa ou pesquisador (que utilizou equipamentos e procedimentos que nem inventos seus são) de cobrar pela utilização de um produto fruto não de sua capacidade inventiva, da seleção natural? Outros países terem aberto brechas em suas leis para esse tipo de patente é argumento a favor para adoção do mesmo posicionamento no Brasil? Ou uma vez considerando um equívoco ideológico (o que foi admitido pela própria CMADS) deveria- se agir no sentido de pressionar a comunidade internacional a tomar medidas mais rigorosas na concessão de patentes? Pressionar os países permissivos eliminaria o argumento mais utilizado pelos defensores das patentes de partes de seres vivos, que dizem que o Brasil está em dessincronia com a comunidade internacional, o que provoca uma defasagem em relação à exploração de biodiversidade. A maior motivação para a pesquisa da biodiversidade, então, não seria garantir o (eticamente questionável) monopólio sobre a exploração de produtos naturais, mas a crença de que conhecer melhor a nossa diversidade biológica pode nos ajudar a desenvolver produtos realmente mais eficientes, esses sim frutos de atividade inventiva.

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